QUANDOTUDO ACONTECEU...
1910: Nasce, em 9 de junho, Patrícia Rehder Galvão, em São João da Boa Vista (SP). - 1928: Completa o Curso na Escola Normal da Capital, em São Paulo; sob a influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral participa do movimento antropofágico; Raul Bopp dedica-lhe o poema Coco e lhe dá o apelido que se tornou famoso. - 1930: Oswald separa-se de Tarsila e casa-se com Pagú; nasce Rudá de Andrade, segundo filho de Oswald e primeiro de Pagú. - 1931: Ingressa no Partido Comunista; junto com Oswald edita o jornal O Homem do Povo, onde assina a coluna feminista “A Mulher do Povo”; é presa pela primeira vez em agosto ao participar, como militante comunista, do comício do PC e dos estivadores em Santos. - 1933: Publica o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo; sai em viagem pelo mundo, passando pelos EUA, Japão, Polônia, Alemanha, URSS e França. - 1935: É presa em Paris como comunista estrangeira, com a identidade de Leonnie, e repatriada para o Brasil; começa a trabalhar no jornal A Platéia e separa-se definitivamente de Oswald; é novamente presa e torturada, ficando na cadeia por cinco anos. - 1940: Ao sair da prisão, rompe com o Partido Comunista; casa-se com o jornalista Geraldo Ferraz. - 1941: Nasce Geraldo Galvão Ferraz, seu segundo filho. - 1942: Inicia intensa participação na imprensa, atuando sobretudo como crítica de arte. - 1945: Lança novo romance, A famosa revista, escrito em colaboração com Geraldo Ferraz. - 1950: Concorre à Assembléia Legislativa de São Paulo pelo Partido Socialista Brasileiro; lança o manifesto “Verdade e Liberdade”; passa a exercer importante papel no panorama cultural da cidade de Santos. - 1952: Freqüenta o curso da Escola de Arte Dramática (EAD) de São Paulo e passa a se dedicar cada vez mais ao teatro. - 1955/62: Trabalha no jornal A Tribuna, de Santos, como crítica literária, teatral e de televisão. - 1962: Em setembro de 62 vai a Paris para ser operada de câncer, mas a cirurgia fracassa; volta ao Brasil e morre no dia 12 de dezembro.
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A ESCANDALOSA NORMALISTA |
Pagú
nasce Patrícia Rehder Galvão no dia 09 de junho de 1910
“Era uma menina forte e bonita, que andava sempre
muito extravagantemente maquiada, com uma maquiagem amarelo-escura, meio cor
de queijo palmira, e pintava os lábios de quase roxo, tinha um cabelo
comprido, assim pelos ombros, e andava com o cabelo sempre desgrenhado e com
grandes argolas na orelha. Passava sempre lá pela faculdade, de uniforme de
normalista. E os estudantes buliam muito com ela, diziam muita gracinha pra
ela (...) faziam muita piada e ela respondia à altura, porque não tinha papas
na língua para responder”, descreve um estudante de direito da época.
Alfredo Mesquita, em texto de 1971, falou sobre a
amiga: “Pagú fora aluna célebre da ‘Escola Normal da Praça’ (...) Corriam
A “escandalosa” Pagú presencia também, ainda que
muito jovem – tinha à época 12 anos – a Semana de Arte Moderna de 1922 e o
início do movimento modernista, do qual mais tarde iria participar. Em 1925,
com quinze anos, passa colaborar no Brás Jornal, assinando Patsy.
Além
da Escola Normal, Zazá, como era conhecida pelos familiares, freqüenta com a
irmã Sidéria o Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde lecionava
Mário de Andrade. Numa crônica escrita para o Diário de São Paulo
muitos anos depois, a própria Patrícia rememoraria o poeta àquela
época:
“Mário de Andrade tinha um riso largo de criança, na
minha infância, eu roubando frutas no tabuleiro da casa que tinha perto do
Conservatório, na avenida São João, e nós meninas sem saber que aquele
professor comprido e feio, de riso de criança grande, era um poeta, comia
amendoim abrindo o clã do jabuti, e ninguém de nós no piano, na sala, na rua,
na porta, pressentindo “depois de amanhã o porvir, sim, o porvir...” Nenhuma
de nós sabia que o poeta era o poeta, que o professor fosse outra coisa” (“Cor
local: Depois de amanhã Mário de Andrade”, Diário de São Paulo,
23/2/47).
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O ENVOLVIMENTO COM O GRUPO ANTROPOFÁGICO
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Em
1928 Patrícia completa o Curso Normal da Escola da Capital e é neste mesmo
ano que entra em contato com o grupo da Antropofagia. Também neste momento
ganha o apelido que a acompanharia pela vida toda, ainda que mais tarde já
não gostasse de ser chamada assim: Pagú. Foi Raul Bopp quem lhe deu o
apelido. Em depoimento a Augusto de Campos, Bopp afirma que Patrícia lhe
mostrara alguns poemas e ele sugeriu que ela adotasse esse nome de guerra
literário. O poeta pensara que ela se chamava Patrícia Goulart, e compôs o
nome juntando as supostas iniciais. Em outubro de 1928, Bopp publica na
revista Para Todos..., do Rio, o poema “Coco de Pagú”:
“Pagú
tem uns olhos moles
uns
olhos de fazer doer.
Bate-coco
quando passa.
Coração
pega a bater.
Eh
Pagú eh!
Dói
porque é bom de fazer doer (...)”
É
o mesmo Bopp quem a introduz no salão da Alameda Barão de Piracicaba, nas
reuniões oferecidas por Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, o casal “mais
admirado e requisitado da sociedade paulistana”, nas palavras de Maria
Eugênia Boaventura, biógrafa de Oswald. Ele e Tarsila logo simpatizam com a
jovem ousada e excêntrica, que a partir de então passa a freqüentar as
reuniões do grupo. Segundo depoimento do arquiteto Flávio de Carvalho, dado
em 1964, Pagú “era uma colegial que Tarsila e Oswald resolveram transformar
O
movimento antropofágico, lançado em 1928 com o “Manifesto Antropófago” de
Oswald de Andrade, era uma radicalização do modernismo de 22. O texto de
Oswald foi publicado no primeiro número da Revista de Antropofagia,
criada para difundir o movimento. Segundo Maria Eugênia Boaventura, o
movimento antropófago representa o extremismo do modernismo, sua forma mais
revolucionária. “Ele reproduz e intensifica todos os tipos anteriores de
ruptura. Representa uma síntese metafórica da trajetória dos diferentes
grupos da experiência moderna no Brasil”.
Após
dez números a revista passa por uma reformulação e inicia sua segunda fase,
ainda mais radical que a primeira, fazendo com que haja uma cisão no grupo e
vários integrantes encerrem sua colaboração, como Mário de Andrade e
Alcântara Machado. “A Revista de Antropofagia, em ambas as fases, de
vários modos, ridiculariza a ação e o pensamento dos companheiros modernistas
que não aderem, afastam-se do grupo, ou ainda, de escritores que se opõem à
programática antropofágica.”, esclarece Boaventura.
É
nesta “segunda dentição” - como os autores se referiam à nova fase -,
iniciada em março de 1929, que Pagú inicia sua colaboração, basicamente com
desenhos. Em junho do mesmo ano ela se apresenta numa festa beneficente no
Teatro Municipal em que, vestida por Tarsila, declama poemas modernistas,
incluindo o “Coco” de Bopp e um poema de sua autoria, presente no “Álbum de
Pagú”, de 1929, livro com poemas e desenhos feitos por ela:
“...a
minha gata é safada e corriqueira...
arremeda
‘picassol’
trepa
na trave do galinheiro e preguiçosamente escancara a
boca
e as pernas.
...a
minha gata é vampira...
mimo
de um italiano velho e apaixonado. general de brigada. dois
metros
de altura. pelado e sentimental. atavismo.
o
luxo da minha gata é o rabo
ela
pensa que é serpente...”
A
partir dessa apresentação, Pagú torna-se conhecida para além dos artistas e
intelectuais que freqüentavam a Alameda Barão de Piracicaba. A relação dela
com Tarsila e Oswald era cada vez mais estreita – especialmente com este
último, com quem inicia um romance neste mesmo ano de 1929. Oswald
descreveria de forma bem humorada o abalo na relação com Tarsila:
“Se
o lar de Tarsila
vacila
é
por causa
do
angu
de
Pagú”
Em
20 de julho é inaugurada no Rio a primeira exposição individual de Tarsila no
Brasil. Uma comitiva de “antropófagos” formada entre outros por Pagú, Anita
Malfatti, o pintor Waldemar Belisário e Oswald acompanha a pintora à
cidade. Em reportagem à revista Para Todos... (“Na exposição de
Tarsila”), Clóvis de Gusmão publica uma breve entrevista de Pagú:
“Pagú
veio ao Rio com Tarsila (...) a gente quando vê Pagú repete pra dentro aquilo
que o Bopp escreveu: - dói – porque é bom de fazer doer!
-
Que é que você pensa, Pagú, da antropofagia?
-
Eu não penso: eu gosto.
-
Tem algum livro a publicar?
-
Tenho: a não publicar: os “60 poemas censurados” que eu dediquei ao Dr.
Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagú – vida
paixão e morte – em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As
ilustrações dos poemas são também feitas por mim.
-
Quais as suas admirações?
-
Tarsila, Padre Cícero, Lampeão e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por
ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.
-
Diga alguns poemas, Pagú.
(Informações:
- Pagú é a criatura mais bonita do mundo – depois de Tarsila, diz ela. Olhos
verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo).”
É
provável que a mesma beleza que encantara o repórter tenha feito com que
Oswald deixasse Tarsila para se unir a Pagú. Grávida de Oswald, Pagú casa-se
em 28 de setembro com o pintor Waldemar Belisário, como forma de manter as
aparências. Mas tudo fora planejado por Oswald com o consentimento do pintor,
que devia favores pessoais a ele. Logo após a cerimônia civil, o casal partiu
em lua-de-mel para Santos mas, no alto da serra, Waldemar trocou de lugar com
Oswald, que os esperava, e voltou para São Paulo. O casamento foi anulado em
5 de fevereiro de 1930.
Em
5 de janeiro de 1930 Pagú e Oswald casam-se em
frente ao jazigo da família do escritor, conforme escreve Oswald em O
romance da época anarquista ou Livro das horas de Pagú que são minhas,
espécie de diário iniciado em maio de 29, provavelmente data do início do romance
entre os dois:
“1930, 5 de janeiro. Nesta data, contrataram
casamento a jovem amorosa, Patrícia Galvão e o crápula forte, Oswald de
Andrade. Foi diante do túmulo do Cemitério da Consolação, à Rua 17, n.º 17,
que assumiram o heróico compromisso. Na luta imensa que sustentaram pela
vitória da poesia e do estômago, foi grande o passo prenunciador, foi o
desafio máximo. Depois se retrataram diante de uma igreja. Cumpriu-se o
milagre. Agora, sim, o mundo pode desabar.”
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O CASAL
QUE NÃO CABE NA SOCIEDADE E A MILITÂNCIA POLÍTICA
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Mas o mais novo casal “antropófago” não encontrou as
portas da sociedade paulistana abertas. Segundo Flávio de Carvalho, “quando
Oswald rompeu com Tarsila, ligando-se a Patrícia Galvão, foi repudiado pela
sociedade”. Olívia Guedes Penteado, famosa senhora da elite incentivadora dos
jovens modernistas, recusa-se a receber o novo casal. Além disso, a crise de
1929 abalou seriamente a situação financeira de Oswald. Para fugir dos
credores ele isolou-se com Pagú na Ilha das Palmas,
Em 25 de setembro de 1930 nasce Rudá de Andrade,
primeiro filho de Pagú e segundo de Oswald. Segundo Boaventura, nessa época
“Oswald vivia irresponsavelmente um sonho. Retalhava sua herança e a do
filho, vendendo atabalhoadamente pedaços de terrenos para sobreviver. Fazia
pouco caso de dinheiro, pois esperava a revolução iminente que iria
socializar tudo. Nas ausências e retiradas estratégicas de Oswald e Pagú,
quer para fugirem da polícia, quer para se dedicarem às tarefas políticas,
Nonê tomava conta de Rudá”.
Três
meses após o nascimento de Rudá, Pagú viaja para Buenos Aires para participar
de um festival de poesias. Lá conhece Luís Carlos Prestes e volta
entusiasmada com os ideais comunistas. Ao retornar ingressa no Partido
Comunista e convence Oswald a filiar-se também. Começa então para ambos um
período de intensa militância política, com um estilo de vida oposto ao que
haviam se acostumado até então. As festas e reuniões em sociedade cedem lugar
à militância e à incerteza. Em março de 1931 fundam o jornal tablóide O
Homem do Povo que, segundo seu programa, embora não fosse filiado a
nenhum partido apoiaria “a esquerda revolucionária em prol da realização das
reformas necessárias”. Pagú escrevia artigos, fazia desenhos, charges e
vinhetas, além de assinar a seção “A Mulher do Povo”, em que criticava
as “feministas de elite” e as classes dominantes. O jornal durou apenas oito
números, sendo impedido de circular pela polícia após a confusão gerada por
ataques de Oswald à faculdade de Direito, que foi chamada por ele de “cancro”
que minava o estado. O Homem do Povo acabou fechado por determinação
do Secretário de Segurança do Estado.
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PRISÃO POLÍTICA E PARQUE INDUSTRIAL |
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Pagú, que já havia participado das agitações de rua
por ocasião da Revolução de 1930, participa de movimentos de operários da
construção civil em Santos e em 23 de agosto de 1931 é presa como agitadora
num comício de estivadores em greve na cidade. Oswald, na tentativa de
ajudá-la, faz-se passar por seu advogado e também é preso. Ao ser libertada,
o Partido Comunista, para se eximir de culpa, obriga-a assinar um documento
em que se declarava uma “agitadora individual, sensacionalista e
inexperiente”.
Pagú escreve o seu romance Parque
Industrial que Oswald de Andrade edita. Entretanto, o que está a
acontecer no resto do mundo? Consulta a TÁBUA
CRONOLÓGICA
CRONOLOGIA
1910 - Nasce em 9 de junho, em São João da Boa Vista, São Paulo;
1913 - Mudança da família para a cidade de São Paulo;
1925 - Usando o pseudônimo Patsy, colabora no Brás Jornal, publicado no bairro operário onde vive com a família. Estuda no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo e entre seus professores está o escritor Mário de Andrade (1893 - 1945);
1928 - Conclui o curso de magistério na Escola Normal de São Paulo. Passa a frequentar reuniões na casa da artista plástica Tarsila do Amaral (1886 - 1973) e do escritor Oswald de Andrade (1890 - 1954). Tem um desenho publicado no segundo número da Revista de Antropofagia;
1930 - Casa-se com Oswald de Andrade;
1931 - Entra para o Partido Comunista Brasileiro - PCB. Edita, com Oswald, o jornal O Homem do Povo, e assina a coluna A Mulher do Povo, entre 27 de março e 13 de abril. É presa num comício de estivadores na cidade de Santos, São Paulo;
1932 - Seguindo orientação do Partido Comunista muda-se para vila operária Maria Zélia, bairro do Belenzinho, em São Paulo, e se dedica a vários trabalhos e ofícios como, por exemplo, o de tecelã;
1933 - Publica clandestinamente o primeiro romance brasileiro que tem operários como protagonistas, Parque Industrial, assinado com o pseudônimo Mara Lobo. Em dezembro, inicia viagem por diversos países do mundo e envia reportagens aos jornais Correio da Manhã, Diário de Notícias e Diário da Noite;
1934 - Instala-se em Paris, trabalha para o jornal L'Avant-Garde e entra para o Partido Comunista francês usando o nome Léonie. Na capital francesa, é presa três vezes;
1935/1940 - No Brasil, é presa após o levante comunista, e cumpre pena de quatro anos e meio. Ao ser libertada, separada de Oswald, casa-se com o jornalista e escritor Geraldo Ferraz (1905 - 1979);
1946/1948 - Edita com Ferraz o Suplemento Literário do Diário de S. Paulo, importante difusor das idéias e atitudes da geração concretista;
1950 - Lança-se candidata a deputada estadual pelo Partido Socialista Brasileiro - PSB. Publica o panfleto político Verdade e Liberdade;
1952 - Freqüenta a Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo - EAD/USP;
1954 - Traduz, pela primeira vez no Brasil, a peça Cantora Careca, do dramaturgo romeno Eugène Ionesco (1909 - 1994). Fixa-se em Santos e passa a trabalhar para o jornal A Tribuna;
1959 - Colabora para a realização do 2º Festival Nacional de Teatro de Estudantes de Santos. Sai uma nova edição de A Famosa Revista, reunida ao romance Doramundo, de Ferraz, com o título Dois Romances;
1960 - Em Santos, traduz e dirige a peça A Filha de Rappaccini, do escritor mexicano Octavio Paz (1914 - 1998);
1962 - Morre em Santos, no dia 12 de dezembro;
Em 1932 Pagú e Oswald já não vivem mais juntos. Ela
vai para o Rio e instala-se numa Vila Operária, trabalhando como lanterninha
num cinema da Cinelândia. Era parte do projeto do Partido fazer com que os
intelectuais experimentassem o modo de vida e o trabalho dos operários.
Apesar do entusiasmo mostrado pelos dois, a maioria dos companheiros do PC
não acreditava nas intenções de Oswald e Pagú, conforme se observa nas
memórias de um militante da época: “um desses elementos, podemos dizer
perniciosos, era uma moça (poetisa) chamada Pagú, que vivia, às vezes, com
Oswald de Andrade. Ambos haviam ingressado no Partido, mas para eles,
principalmente para Oswald, tudo aquilo lhes parecia muito divertido. Ser
membro do PC, militar ao lado dos operários ‘autênticos’, tramar a derrubada
da burguesia e a instauração de uma ‘ditadura do proletariado’, era
sumamente divertido e emocionante.” (depoimento de Leôncio Basbaum, 1978)
Em
janeiro de 1933 Pagú lança seu primeiro romance, Parque Industrial –
romance proletário, com edição financiada por Oswald. A autora esconde-se sob
o pseudônimo de Mara Lobo por exigência do Partido Comunista. Esteticamente, Parque
Industrial se insere nas experiências modernistas, notadamente com
influências de Oswald de Andrade - que havia lançado seu Memórias
sentimentais de João Miramar em 1924. É uma narrativa urbana, cujo foco
central são os trabalhadores – ou melhor, as trabalhadoras – das indústrias
da cidade de São Paulo, vivendo miseravelmente esmagadas pelas classes
dominantes. Além de poder ser visto como um documento das ideologias de uma
época, Parque Industrial é também um belo exemplo de uma experiência
de linguagem.
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MOSCOU, UM
DESENCANTO
NO BRASIL, PRISÃO E TORTURA |
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Em dezembro do mesmo ano,
Pagú sai em viagem pelo mundo na intenção de estudar e verificar in loco, na
Rússia, como estava se executando na prática a ideologia pela qual lutava.
Oswald ajuda no custeio da viagem e fica tomando conta de Rudá. Ela atua como
correspondente dos jornais Diário da Noite (SP), Diário de Notícias e Correio
da Manhã (RJ). Visita os Estados Unidos, Japão e China – onde entrevista
Sigmund Freud. Da China parte para Moscou, em maio de 1934, numa viagem de
oito dias pelo Transiberiano. A realidade que vê nas ruas da cidade a deixa
profundamente decepcionada: “o ideal ruiu, na Rússia, diante da infância
miserável das sarjetas, os pés descalços e os olhos agudos de fome. Em
Moscou, um hotel de luxo para os altos burocratas, os turistas do comunismo,
para os estrangeiros ricos. Na rua as crianças mortas de fome: era o regime comunista”
(Verdade e Liberdade, 1950).
Sai de Moscou em direção à
França, onde se estabelece por um tempo, freqüentando cursos da Université
Populaire. Filia-se ao Partido Comunista francês com a identidade falsa
de Leonnie, e participa de manifestações ao lado da Front Populaire
(união dos partidos de esquerda). É detida três vezes antes de ser presa como
militante comunista estrangeira, em julho de 1935. Salva de ser submetida ao
Conselho de Guerra ou deportada para Itália ou Alemanha pelo embaixador Souza
Dantas, acaba sendo repatriada.
Volta ao Brasil no fim do
ano, quando se separa definitivamente de Oswald. Passa a colaborar no jornal A
Platéia mas, pouco depois de sua chegada, é presa em razão da Intentona
Comunista. Condenada a dois anos de prisão, fica nos presídios Paraíso e
Maria Zélia,
Cumprida
a pena, Pagú fica ainda na prisão por mais seis meses, por se recusar a
prestar homenagem a Adhemar de Barros, então interventor federal em visita ao
presídio. É libertada em julho de 1940, muito doente, pesando 44 quilos. A
temporada de quase cinco anos de cárcere deixou marcas profundas na antiga
musa antropofágica. Segundo a irmã Sidéria, ela tentou o suicídio logo após
sair da prisão.
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FORA DA
CADEIA, INTENSA ATUAÇÃO JORNALÍSTICA
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A saída da prisão marca uma
nova fase na vida de Pagú. Ela passa a viver com Geraldo Ferraz, que seria
seu companheiro até sua morte. Rompe com o Partido Comunista. Tem o segundo
filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 1941, e passa a colaborar em diversas
publicações como redatora, cronista ou crítica.
Durante toda a década de
1940, Pagú trabalha ativamente na imprensa, muitas vezes exercitando
combativamente a crítica literária. Ela reclama da capitulação dos autores
que, na vigência do Estado Novo, justificavam sua inércia pela falta de
liberdade no país. Conforme nota o poeta Augusto de Campos, nas críticas que
escrevia sente-se, apesar do desencanto e decepções, uma disposição de luta
pela manutenção do espírito renovador de 22. Entre outros veículos, ela
trabalha, nesse período, nos jornais cariocas A Manhã, O
Jornal, e nos paulistas A Noite e Diário de São Paulo.
Entre junho e dezembro de
1944, ela colabora como contista na revista Detetive, dirigida por
Nelson Rodrigues. Na publicação, de grande popularidade à época, Pagú
escrevia contos de suspense sob o pseudônimo de King Shelter. No ano
seguinte, lança seu segundo romance, A Famosa Revista, em colaboração
com Geraldo Ferraz. Se Parque Industrial fora escrito por uma Pagú
militante, crente na iminência da revolução, A Famosa Revista caracteriza-se
pela crítica e denúncia dos males do Partido Comunista. Nesse sentido,
pode-se dizer que o segundo livro é o oposto do primeiro.
(...)
De degrau em degrau desci a escada das degradações, porque o Partido
precisava de quem não tivesse um escrúpulo, de quem não tivesse
personalidade, de quem não discutisse. De quem apenas ACEITASSE. Reduziram-me
ao trapo que partiu um dia para longe, para o Pacífico, para o Japão e para a
China, pois o Partido se cansara de fazer de mim gato e sapato. Não podia
mais me empregar em nada: estava ‘pintada’ demais. (...) Em 1935, procurei
uma revolução que o Partido preparava e não achei revolução nenhuma. Nos
pontos, nas esquinas, nenhuma voz, nenhum gesto. Apenas o fiasco. Mais uma
vez, o fiasco (...) E todos nós para a cadeia (...) Outros se mataram. Outros
foram mortos. Também passei por essa prova. Também tentaram me esganar em muito
boas condições. Agora, saio de um túnel. Tenho várias cicatrizes, mas ESTOU
VIVA.”
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APAIXONADA
PELO TEATRO, QUER SER PATRÍCIA DE NOVO
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A década de 1950 marca também
uma aproximação cada vez maior com o teatro. A partir de 1952 ela passa a
freqüentar a Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD), sob direção
de Alfredo Mesquita, que lembra que, nessa época, ela já não era mais a
chocante e extravagante Pagú, mas uma arredia e calada Patrícia:
“conversávamos longamente, amigavelmente, enquanto havia pouca gente à volta.
Mal aumentava a roda e Patrícia – como queria que a chamássemos – calava-se
arredia, assustadiça, para logo se esgueirar e sumir. Assim era a famosa, a
terrível, a assustadora Pagú”.
Pagú passa a ter aulas com
Alfredo Mesquita (“aluna ainda, mas não mais subversiva, agressiva,
escandalosa como nos tempos da ‘Praça’. Entusiasta, aplicada, séria,
divertida...”), Décio de Almeida Prado, Ziembinsky e outros mestres. Leva
para Santos a apresentação de “A Descoberta do Novo Mundo”, de Lope de
Vega, realizada pela EAD, iniciando uma série de espetáculos da Escola na
cidade. A partir desta época Patrícia exerce importante papel na vida
cultural de Santos, liderando a campanha para a construção do Teatro
Municipal e formando grupos amadores de teatro, além de fundar a Associação
dos Jornalistas Profissionais de Santos. Também criou e presidiu a União
do Teatro Amador de Santos, por onde passaram, ainda iniciantes, atores
como Aracy Balabanian, José Celso Martinez Correa, Sérgio Mamberti e Plínio
Marcos.
Na imprensa dedicou-se às
páginas culturais, publicando artigos e páginas especiais sobre escritores,
poetas e dramaturgos como Ionesco, Brecht, Fernando Pessoa, Dostoiévsky,
Rilke e Pirandello. Também foi responsável por traduções pioneiras de
escritores então pouco conhecidos no Brasil: Blaise Cendras, Svevo e Arrabal.
Deste último encenou, em estréia mundial, a peça ‘Fando e Lis”, com o
Grupo Experimental de Teatro Infantil (GETI).
Esclarecendo sua
preferência pelo teatro experimental afirmou: “Preferimos a vanguarda, porque
visa ela corrigir os vícios e os hábitos de se assistir teatro normal, teatro
repetido, teatro que deixa espectador e atores indiferentes. Preferimos
aqueles momentos capazes de sacudir o sono do mundo, como lembrava, certa
vez, o velho mestre Sigmund Freud. Pois que o mundo
dorme.”
O compositor santista
Gilberto Mendes, em suas memórias, afirma que “Pagú tinha um humor, uma
perspicácia e finura intelectual especiais. E gostava das pessoas, de ajudar
(...) Nesses mais ou menos dez últimos anos de sua vida em Santos, Pagú
andava esquecida, quase ninguém falava dela no Brasil, era uma figura anônima
pelas ruas da cidade, pelas platéias dos teatros, integrada na vidinha
artística da província, animando a gente, escrevendo sobre nós, músicos,
atores, diretores (...) Era uma mulher formidável”. Seu prolífico trabalho de
crítica nos jornais - polemizando, comprando brigas, combatendo - e seu
intenso trabalho com o teatro só são interrompidos com sua morte, provocada
por um câncer.
Desejava que seus livros
sobre teatro fossem doados para a EAD após sua morte. Alfredo Mesquita
recorda-se do pedido da amiga: “lembro-me ainda do dia em que, sabendo-se
gravemente doente, disse-me pretender entregar imediatamente a sua biblioteca
à Escola. Assustado, não querendo por nada acreditar no que dizia a respeito
da saúde, recusei a oferta.” Mas a doença evoluiu e Mesquita foi obrigado a
acatar o pedido: “vi-a ainda duas vezes, em casa de parentes, sentada na
cama, o tronco ereto, fumando, fumando sempre, os olhos muito pretos, ainda
vivos, fixos em mim com aquela expressão de angústia e interrogação dos que
vão morrer. Já não podia levantar-se e mal conseguia falar. Das duas vezes,
repetiu baixinho: - não se esqueça dos livros, são seus...”.
Em setembro de 1962 viaja a
Paris para ser operada. Na véspera, um último texto seu é publicado
“Nada, nada, nada
Nada mais do que nada
(...) Trouxeram-me
camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança
sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha
estrada
(...) Abri meu abraço
aos amigos de sempre
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada”
A operação fracassa e ela
tenta o suicídio. Volta ao Brasil e em 12 de dezembro de 1962 morre em
Santos.
“Deu-se
esta semana uma baixa nas fileiras de um agrupamento de raros combatentes.
Ausência desde 12 de dezembro de 1962, que pede seu registro do companheiro
humilde, que assina estas linhas. Patrícia Galvão morreu neste dia de
primavera, nessa quarta-feira, às 16 horas (...) Morreu aqui em Santos, a
cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a Irmã e a Mãe que a
acompanhavam, naquele momento e, felizmente, em poucos minutos, apenas
sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que
pedia ainda liberdade, ‘desabotoa-me esta gola’”. (Geraldo Ferraz, A
Tribuna, 16/12/1962)
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