PARA NÃO PERDER A
ALMA
Dizem que há
alguns anos, não sei se nos Estados Unidos, a realização de um intercâmbio
entre brancos e índios possibilitou às crianças das raças conviverem alguns dias com crianças da
outra cultura.
Por infelicidade, durante sua
permanência no meio dos brancos, uma criança índia adoeceu gravemente, e por
mais que tentassem os médicos já não lhe davam nenhuma esperança de vida.
Três emissários
foram enviados à tribo, para buscar o pai da criança que poderia, assim,
dar-lhe o último adeus.
Era preciso
urgência, pois a criança piorava cada vez mais. Chegando à aldeia, os enviados
explicaram ao pai da criança o que acontecia e pediram a ele para acompanhá-lo,
pois poderia encontrar seu filho ainda com vida.
A paisagem
deslizava sem contornos, em manchas verdes, azuis, amarelas. Cada segundo se
tornava precioso, por isso o carro seguia seu vôo desvairado. Após alguns
minutos de silêncio, o índio pediu que parassem o veículo e foi atendido
imediatamente. Então ele abriu a porta, desceu, e calmamente, dirigiu-se a uma
frondosa árvore e se sentou sob sua sombra.
Ali ficou em
silêncio durante algum tempo. Os três emissários, nervosos, não entendiam o que
estava acontecendo. Cansados de esperar, chamaram o índio de volta ao carro,
mas este lhes fez um sinal para que esperassem.
Parecia não se
dar conta de que suas chances de rever o filho ainda vivo, diminuíam a cada
instante. Depois de um tempo, que aos seus acompanhantes parecera um século,
ele voltou ao carro. Intrigado, sem entender o motivo daquela parada, um dos
homens lhe perguntou; e ele respondeu:-
---Ë que vocês
correram tanto, que minha alma tinha ficado lá atrás e eu precisava esperar por
ela para continuar a viagem.
Esse índio me
lembra a figura do professor.
Incompreendido,
muitas vezes ele é forçado a deixar a alma em seus rastos, seus percalços.
Forçado a cumprir
leis e estatutos criados muitas vezes por quem não procurou ouvi-lo, por quem
não conhece a realidade de uma sala de aula. Leis, estatutos que, algumas
vezes, constituem verdadeiras armadilhas contra ele. Vítima de um salário quase
sempre aquém do seu merecimento e, na maioria das vezes tão baixo que o
desvaloriza cada vez mais diante dos seus alunos, familiares e de outros
profissionais, principalmente se trabalhar em escolas estaduais ou municipais.
Considerado por
muitos, ainda, como alguém que ganha pouco “porque não trabalha quase nada,
fica apenas umas horinhas na escola e...”
Pessoas que não
sabem (ou fingem não saber) que embutidos nos“minutinhos de cada aula" o
relógio não marca conhecimento acumulado durante a vida, os livros que leu, os
cursos de atualização que realizou, as pesquisas, as exposições que visitou, as
palestras a que assistiu, as noites que passou corrigindo provas, exercícios,
trabalhos dos alunos...
O relógio não
marca o Domingo que deixou de conversar com o filho sobre a razão de sua
tristeza, porque “precisava entregar aquele relatório na Segunda-feira , o
relógio não marca a ausência na reunião da escola da filha, porque já marcara
uma reunião coletiva justo naquele dia, naquele horário...
Mas esse é o caminho percorrido e,
para os outros, o que importa se a paisagem perdeu a nitidez? O que importa se
mesmo ganhando pouco, correndo o risco de ser assassinado dentro da escola,
comendo sanduíche entre uma aula e outra ele estará sempre lá? O meio do
caminho, onde sempre “tem uma pedra”, esse ninguém vê. E é aí que, revoltado
diante de tantas dificuldades, de tanta incompreensão e desprestígio o
professor corre o risco de perder sua alma. Mas é em nome desse papel tão
importante, talvez o mais importante de toda a sociedade, que ele precisa ser
forte, tornar-se imune. Não se deixar contaminar pelos “emissários”. Só assim
preservará sua alma. E se perceber que em algum momento ela ficou para trás, precisa
deter o carro, descer no meio do caminho, sentar-se à sombra de uma árvore e
esperar que ela volte. Sempre é tempo.
( Risomar Y. Fasanaro; Poetiza eprofessora)